02:28
Caminho pela rua e ouço-te ao longe. Está prestes a chover. Cruzo-me com desconhecidos que se arrastam, num vaivém frenético, e só tu continuas sentado, no mesmo sítio, a dar ritmo ao movimento dos transeuntes. O som da tua viola penetra nos ouvidos, desagrada a muitos, rende-te uns trocos, faz-me sorrir. Em dias cinzentos como o de hoje, só a tua música me faz perceber que, mesmo havendo falhas, mesmo havendo um desânimo nos gestos, mesmo havendo incoerência nas palavras, mesmo sem ninguém por perto para abraçar, haverá sempre alguém a tocar para o nosso coração. Aproximo-me e consigo ver-te: calmo e impassível. Passo por ti e vejo entrega em cada nota que tocas. Deixo-te para trás e penso na tua história de vida. Tento imaginar o que se esconde por detrás desse sorriso simpático e triste. Mas não te conheço. Pergunto-me se não sentes o frio, embora saiba que o combates com a música. No entanto, quando o dia acabar será a música capaz de te continuar a aquecer a alma? A chuva cai e só a tua voz rouca ecoa pela rua repentinamente deserta.
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