O Homem do Leme

15:29

Hoje ouvi esta célebre música dos Xutos & Pontapés e, curiosamente, nunca me foi tão agradável escutá-la num final de manhã primaveril. Portanto, decidi escrever sobre esta música e aconselho que a ouçam enquanto lêem o que se segue.

Cada um de nós é o responsável pelo leme que desenha o rumo dos nossos dias. Cada um de nós, por vezes, perde o sentido de orientação e não tem uma bússola para o auxiliar. Cada um de nós está sozinho nessa navegação, por isso há que evitar as colisões e minimizar os estragos de tempestades ferozes que quase destroem a nossa embarcação. Cada um de nós, depois de andar à deriva, reencontra na acalmia dos dias o que se esconde atrás da monotonia… É assim que se descobrem novas terras e lugares, novas pessoas e ideais.

Se decidimos ancorar, a nossa viagem fica em stand-by. Outros homens de outros lemes e de outros tempos acabam por nos tentar prender a terras de náufragos, impedindo-nos de flutuar em alto mar, mesmo sem rota traçada, mesmo na crispa das marés gigantescas, mesmo sem ânimo do homem do leme… A dignidade de um verdadeiro homem do leme está em vencer a fúria das águas e nunca em deixar-se prender à segurança de um qualquer porto terreno.

O que mais atormenta qualquer homem do leme é a dificuldade de rasgar a saudade de tudo aquilo que deixou antes de partir: algo que não esquece por muitos mares que desbrave, por muitas terras que descubra, por muitos encantos que lhe estejam reservados. As bonanças e desventuras do homem do leme, ainda que as atire à água agitada para as sacudir da memória, permanecem congeladas no seu coração. E tudo para que possa retomar o controlo do leme.

E uma vontade de rir
Nasce no fundo do ser
E uma vontade de ir
Correr o mundo e partir
A vida é sempre a perder

Esta é uma das partes que mais gosto… Poucas vezes acontece sentirmos essa “vontade de rir” que “nasce no fundo do ser”. Quantas vezes o homem do leme ri sem vontade? Quantas vezes o homem do leme está em pânico e esboça um sorriso para se convencer da sua resistência? Quantas vezes ri para transparecer, aos demais tripulantes, uma segurança que não sente? Vezes sem conta.
Porém, quando o homem do leme sente “uma vontade de rir” que “nasce do fundo do ser” é porque algo o preenche: seja um mar tranquilo que se estende a seus pés, seja um horizonte crepuscular lentamente abandonado pelo sol que o enche de paz.
Mais frequente é a “vontade de ir / correr o mundo e partir”, não tanto a capacidade de satisfazer essa vontade… E a razão principal é: “a vida é sempre a perder”. Perde-se o sonho, perde-se a motivação, perde-se a razão, perde-se a liberdade, perde-se a coragem, perde-se o “eu” de cada um nos labirintos da vida...

Ao longe, avista-se um farol de luz ténue, que dista do nosso barco longas milhas. O verdadeiro homem do leme crê que nunca é tarde de mais para alcançá-lo. De facto, todos andamos às escuras por mundos excessivamente iluminados… O homem do leme representa a crença íntima que mora algures em cada um de nós: nunca é tarde de mais para viver.

Para terminar, faço minhas as palavras do meu amigo Paulo: “esta é uma música de sempre e para sempre”!

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