As já tradicionais bebedeiras

15:11

Vivo no centro do Porto, numa zona em que posso assistir a uma boa parcela de degradação humana. É neste contexto que rara é a noite em que não há pessoas completamente embriagadas, que gritam, que grunhem, que perturbam o descanso dos que na manhã seguinte têm que acordar cedo para ir trabalhar. Ainda hoje me custa lidar com estes desacatos da ordem pública. E custa-me ainda mais tolerar que a proximidade de uma esquadra da PSP passe tão despercebida.

Cortam o silêncio meditativo para o poluírem com baboseiras. Depois, penso naquela situação na óptica dos próprios responsáveis. Eles são vítimas de golpes que sofreram. Pergunto-me qual será a história pessoal de cada um daqueles elementos do grupo que agora seguram garrafas de cerveja por entre os dedos gastos e sujos, que cambaleiam convencidos que estão em pleno equilíbrio na berma do passeio.

Tento ler nos olhares vazios as ausências que os preenchem de fantasmas a meio da noite. Observo-os presos a uma tristeza profunda enterrada num lugar que parece não ter utilidade: o coração. Falam alto, muito alto, demasiado alto. Gabam-se de aventuras que nunca tiveram. Contam histórias cor-de-rosa que imaginam no momento. Dizem palavrões. Amaldiçoam o frio. Queixam-se em lamúrias que colam às vidas de outros. Recusam-se a assumir a sua verdadeira identidade.

Bebem mais álcool, e mais, e mais. Esvaziam-se os bolsos e enchem-se as mentes de alucinações felizes, perdidas, fictícias. Cantam agora. A tristeza da entoação ecoa pela rua escura e, ainda a esta hora da noite, movimentada. Riem-se de si. Riem-se das feridas não cicatrizadas. Procuram desinfectá-las desta forma… Com muito álcool, em tentativas vagas de amnésia.

You Might Also Like

3 apontamentos

Total de visualizações

Procurar no blogue