Comentário do filme "15 minutos"

17:28

Neste filme assiste-se ao atropelamento de alguns dos deveres deontológicos mais importantes, por parte dos profissionais da comunicação social. A história levanta várias questões sobre os limites éticos que devem orientar a conduta dos media (sobretudo das direcções). Conseguir uma boa reportagem não implica uma violação dos preceitos éticos que devem reger todos os profissionais do sector.

O que está em causa é o newsmaking actual, que privilegia o sensacionalismo como fórmula segura de captar audiências e que dá minutos de fama à violência. O filme mostra o poder dos media construírem as suas próprias personagens, usando a vida real para o efeito. Nesta conjuntura, torna-se imperativo assumir uma postura profissional ética face à falta de transparência que se esconde por detrás das câmaras.

A televisão (ou qualquer outro meio de comunicação social) não deve pagar por materiais de conteúdo violento, porque isso acaba por fomentar os actos de criminalidade e viola uma das regras dos códigos deontológicos. Portanto, para compreender o modo de funcionamento dos media, há que desmontar a existência de esquemas, chantagens e negócios ilícitos nos bastidores.

Nesta película há uma desvirtualização dos valores-notícia e um desrespeito integral de algumas normas éticas. Assim, presenciamos o modo como se viola o dever do jornalista utilizar apenas meios honestos para obter notícias, imagens e documentos. Há corrupção ao pagar por um conteúdo imagético. Daqui resulta o poder do jornalista modelar a percepção do público, esquecendo-se da sua responsabilidade na formação de uma opinião pública esclarecida e bem informada. O que deveria prevalecer é a verdade da informação (isenta, clara, rigorosa, completa), mas o que se verifica é que se passam imagens sem se averiguar as motivações das fontes, sem se investigar a proveniência, sem se questionar qual será o impacto do material junto do público e quais serão os efeitos psicossociológicos que o conteúdo poderá provocar. O jornalista deve “contextualizar as circunstâncias do crime, os motivos pelos quais ele foi cometido e dividir isto com o público”
[1]. É crucial que o jornalista procure aprofundar as causas e pense nas consequências que a informação que veicula poderá desencadear.

A não incitação à violência e ao crime é outro dos princípios que não se observa neste filme, tal como o respeito pelo direito à intimidade e à vida privada. No filme, mostra-se como a difusão das imagens do crime podem estimular a violência (já que se mostra a facilidade com que se podem cometer delitos). As cenas de sangue e violência que mancham o ecrã chocam a audiência ao mesmo tempo que a conquistam, o que se comprova pela afirmação do apresentador no filme: «If it bleeds, it leads» (Se há sangue, há notícia).

“Na guerra pela audiência, as regras de um bom jornalismo são comummente esquecidas. As notícias sensacionais e que chocam atraem o público; contudo, na maior parte, são apuradas de forma inadequada, sem profundidade e com grandes possibilidades de distorcer o contexto real dos factos.”
[2] O sensacionalismo contraria a função social do jornalismo, já que lhe compete contribuir para um esclarecimento da opinião pública e jamais deve distorcer a percepção que as pessoas têm da realidade. Mas, na verdade, os conteúdos sensacionalistas captam a atenção das pessoas desde o primeiro instante e quanto mais insólito ou cruel for o espectáculo, maior será o impacto junto do público.

Poder-se-á apontar o dedo à televisão por causa da sua grelha, na qual se incluem programas de pendor sensacionalista, que criam celebridades efémeras e fomentam o seu culto. A TV deve ser mais do que uma indústria de fama instantânea.

Contudo, programas como o “Top Story” não existiriam se não houvesse uma enorme audiência a justificá-los, a tornar rentável a sua produção. A televisão tem vindo a proporcionar uma programação de fraca qualidade, cuja chave do sucesso é o sensacionalismo. Há um interesse em conhecer vidas privadas (sejam de figuras públicas ou de pessoas anónimas) por parte do público e os media prontificam-se, de imediato, a expô-las (exemplo do Big Brother).

E como todos nós vemos aquilo que a TV nos oferece, ela pode arrogar-se do direito de passar os conteúdos que bem entender e, na realidade, quanto mais chocantes, polémicos, violentos, exploradores da dor alheia ou da vida privada de terceiros forem, mais telespectadores têm. Atingir o máximo de share não devia significar oferecer aos telespectadores o mais refinado “lixo televisivo” com drama, sangue e sofrimento. Daí que os profissionais do sector devam lutar e zelar pela dignificação da sua profissão, evitando a difusão de conteúdos violentos sem razão suficiente que a justifique (o argumento das audiências deverá ser secundário).

Um profissional da comunicação que negoceia a gravação de um assassinato com o criminoso com a pretensão de divulgá-la na televisão, para toda a gente ver, para obter o máximo no ranking das audiências, perde toda a credibilidade, toda a integridade profissional e pessoal. Deveria ter feito uma denúncia às autoridades e deveria ter sensibilidade e bom senso para se proibir de divulgar um conteúdo que roça o desumano. Não deveria ele ter-se colocado no lugar da família e dos amigos da vítima? É uma ofensa à memória da pessoa falecida e é um desrespeito para com a dor daqueles que perderam alguém que lhes era querido. O jornalista revelou falta de auto-ética, incapacidade de afirmação empática e ausência total de compaixão. Um jornalista deve combater o sensacionalismo e deve, também, recusar actos que vão contra os seus princípios, alegando a cláusula de consciência.

Outro momento importante no filme é aquele em que se mostra a falta de solidariedade profissional. Apesar de saber o relacionamento da jornalista com o polícia, o apresentador do programa não foi capaz de ter uma palavra ou um gesto de carinho e apoio para com ela. A direcção também não teve qualquer cuidado, já que não se coibiu de transmitir as imagens. Isto prova bem como uma prática jornalística sem escrúpulos torna certos jornalistas “felizes” à custa das desgraças dos outros.

Merece também alguma atenção a cobertura mediática dos passos de um dos mais conceituados detectives da cidade, porque pode pôr em causa a segurança nacional. Até que ponto isso não poderia prejudicar as investigações?

Nos meandros policiais e nos media, o detective gozava de prestígio, respeito e reputação. O detective assumia uma política de abertura (ainda que parcial) à comunicação social, fazendo-se acompanhar pelo apresentador de um programa – esta relação promíscua entre o profissional da comunicação social e as fontes oficiais não é de todo correcta, porque “as fontes oficiais, na maior parte das vezes, repassam ao repórter o acontecimento, mas não com uma visão jornalística, de forma isenta.”
[3]. Portanto, o jornalista deve manter um certo distanciamento das fontes oficiais, para que a informação não seja enviesada, mas antes objectiva, imparcial e plural.

Enquanto o detective era um às na arte de bem lidar com os media, o bombeiro votava os media a um total desprezo, pois não considerava a audiência que a TV arrasta consigo importante para a Corporação. Já o seu chefe não partilhava da mesma opinião, o que revela o choque entre a vontade pessoal e as directrizes das chefias.

O detective acaba por ser escolhido como alvo porque é famoso. Esta conclusão baseia-se no facto do policial ser frequentemente capa de revistas e uma presença constante nos media. Daqui se depreende o poder dos media (principalmente da TV) para fazer com que alguém salte para as luzes da ribalta. É nesta ideia que os dois estrangeiros, vindos da Europa Oriental e recém chegados aos Estados Unidos, acreditam veemente. À volta destas personagens gira o estereótipo do continente americano como a terra dos sonhos, das oportunidades, das esperanças, do sucesso, do reconhecimento, da fama. Os meios de comunicação social também podem ajudar a reforçar essas crenças ou ajudar a desfazê-las.

Na parte final do filme, um dos protagonistas afirma: "Adoro a América. Ninguém aqui é responsável pelo que faz", a propósito da sua intenção de alegar insanidade mental para que lhe fosse atenuada a pena. Por aqui se vê a facilidade com que um criminoso contorna o sistema judicial desde que tenha dinheiro para contratar advogados famosos e caros que provem ao tribunal a insanidade dos seus clientes, a fim de obter a inimputabilidade. Levanta-se a questão de saber até que ponto os próprios meios de comunicação social colaboram nessa tarefa de qualificação dos criminosos como doentes, quando eles estão em plena posse das suas faculdades mentais.

Ultrapassando a avidez pela informação, a sociedade de hoje alimenta-se do espectáculo e sacia-se nas imagens que exibem violência e desgraças. Por isso, é dever do jornalista saber distinguir as fronteiras entre aquilo que é interesse público e aquilo que já ultrapassa o limite do necessário e entra no âmbito do sensacionalismo. O valor do interesse público não pressupõe contrariar deveres deontológicos elementares, aliás as normas éticas devem preceder os valores jornalísticos. O assassinato do detective mais famoso difundido na televisão seria algo impensável se se tivesse em conta os códigos deontológicos dos jornalistas.

O jornalista deve lembra-se sempre do compromisso ético que estabelece, tacitamente, com as fontes de informação, com o público e consigo próprio enquanto profissional e enquanto ser humano. Seria surreal deixar que a violência se venha a tornar numa banalização mediática, como neste filme, e pior que isso é deixar que seja a garantia do sucesso para ocupar o topo das audiências. Portanto, é importante que o jornalismo use o respeito pelos valores humanos e deontológicos como baluarte da sua actuação.

[1] Alex Rómulo Pacheco, in “Jornalismo Policial Responsável
[2] Idem
[3] Idem

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