Vagares…

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Passa por mim um senhor com o seu meio século de existência (ou talvez até com mais alguns anos) e traz uma criança pela mão. Presumo que seja avô e neta. Em passos mais acelerados, a menina caminha ao lado do mais velho, que anda mais devagar. Esse lentor na locomoção está reservado a quem não tem que chegar a lado nenhum o mais rapidamente possível para cumprir os compromissos agendados. Se por um lado, a criança ainda vai viver o descontrolo do tempo, por outro, o avô já se libertou do domínio opressivo do relógio. Só para confirmar, reparo no pulso dele e não encontro esse objecto. Hoje, é a criança de baixa estatura e de saia colorida, que está a seu lado, a ditar a velocidade com que o tempo passa.

Aquelas duas mãos, aquele gesto que une duas gerações – ligadas por uma terceira que neste contexto se agradece a sua ausência – é uma boa metáfora de como a vida deve ser encarada: a energia infinita da criança acompanhada pela serenidade do mais velho.

Ouço: “O que é aquilo?” e vejo um dedo pequenino apontado para uma ave pousada no ramo da árvore retorcida. Depois da explicação, outra dúvida aguarda por um esclarecimento imediato: “Porque é assim?”. Com uma paciência interminável e todo o tempo do mundo, o avô desdobra os pormenores de uma resposta acessível. É notório que o senhor se diverte com as perguntas simples da neta, diverte-se com as expressões de espanto da criança, orgulha-se de lhe espicaçar a curiosidade.

Há um saber que se transmite em pequenas explicações perante as grandes dúvidas infantis. O mesmo saber que escapa a muitos pais hoje em dia: o saber como criar um vínculo para além dos elos biológicos. As crianças precisam que os pais as ouçam, que atendam ao seu interesse permanente em descobrir e entender o mundo com tempo, que lhes dêem explicações sem expressões faciais aborrecidas, cansadas e evasivas. Também a mim me custa imaginar que, um dia, não terei tempo para os meus filhos.

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