Cansemo-nos dos braços cruzados

14:58

Por vezes procuramos em vão pessoas que nos transmitam boas vibrações, que sejam fontes de optimismo, que esbanjem energia, que nos façam sorrir, que tipifiquem o que de melhor a vida tem. Porém, às vezes basta um olhar triste, mas seguro, para mostrar que a determinação é que dita os melhores desfechos, que a segurança se constrói com atitudes positivas, que a coragem se despende da resistência ao cansaço dos dias iguais, que a vontade de mudar se fortalece na temperança astuta e aguerrida, que a crença de passar obstáculos se fundamenta na lógica do carácter destemido.

A vida foi-me ensinando a perceber que nem todos os que sorriem com a alma são os que vivem uma vida bem humorada. Nem todos os que permanecem em silêncio são aqueles que sabem escutar com o coração. Nem todos aqueles que dominam a arte de bem falar são os que proferem as palavras certas no momento oportuno. Nem todos os que dizem viver com esperança são os que acreditam num mundo melhor. Para mudar é preciso que a vontade nasça como a força de uma tempestade: súbita e urgente. E mesmo que nem sempre se consiga chegar tão longe como se pretende, vale o sacrifício e ambição que estiveram por detrás.

Não quero conviver com pessoas que têm sucesso, que estão de bem com a vida e que quando se cruzam com os outros e não conseguem reconhecer-lhes igual valor. O mérito de viver bem e em paz com o mundo está em saber pôr aquilo que somos em diversas circunstâncias, sejam elas adversas ou prósperas. O significado do sucesso encontra-se no dicionário da humildade, do respeito pela dignidade e integridade.

As pessoas optimistas são aquelas que, apesar de tudo quanto a vida lá lhes reservou de dor e sofrimento, continuam a acreditar que há sempre qualquer coisa de bom nos dias cinzentos, que conseguem retirar do que mal lhes acontece uma qualquer aprendizagem, que sabem ficar gratos por um pequeno gesto. As pessoas com energia são aquelas que conseguem colocar toda a agitação frenética que as percorre na acalmia de um momento, ao ver um pôr-do-sol ou a ler uma citação.

Os que vivem a vida de todos os dias, esgotados pelas obrigações a que têm de dar resposta, desanimados pela falta de esperança e optimismo, têm que ser capazes de olhar à volta e perceber que há sempre algo ou alguém que contribui para o bem-estar interior. No virar da esquina, com a cara ferida e a alma dorida, alguém nos pergunta as horas e retribui com um sorriso. Encontra-se sempre alguém cujo olhar nos agradece e nos enche porque travámos um breve diálogo que diminuiu um pouco a sua (e também a nossa) solidão.

Mulher de Braços Cruzados, Pablo Picasso

Há sempre alguém por aí, nas encruzilhadas e nos caminhos do quotidiano, que apesar de ver os seus sonhos maltratados, sentir o frio na alma e ser rejeitado pelas pessoas que gosta, consegue mostrar-nos que há que lutar e vencer. Há que somar vitórias depois de termos sido derrotados, há que fugir da futilidade e da frivolidade do que é fácil e conseguido sem esforço, que é preciso que olhemos para cada dia como aquele tempo que nos é oferecido e pelo qual nunca devolvemos trocos ou damos gorjetas, para fazermos dele o melhor que podermos para registá-lo na nossa história pessoal como um dia em que fizemos algo de diferente por nós, pelos outros, pelo mundo.

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