Lado a lado no mesmo banco do jardim

13:30

A catadupa de pensamentos sobre mais um dia vazio deixa-me apática. Hoje nada houve que me tivesse roçado a alma, que me tivesse obrigado a chamar o coração e a razão para um concílio consensual. Apenas um dia com pessoas fúteis e irritantes, desprezíveis pela superficialidade exibida!

Vim até aqui para que a paisagem deste local idílico me fizesse sentir viva, com sangue de gente a percorrer-me. Desligo o telemóvel. Não quero ser incomodada, porque, aqui, a paz espreita a cada ângulo percepcionado pelo olhar vago. E em cada recanto que fica por conhecer, preserva-se a beleza natural das sombras descoladas destas árvores monstruosas, que amedrontam pelo tamanho e pela imponência.

Tiro o mp3 dos ouvidos e deixo o riso infantil, que não se ouve no parque, recriar-se no meu imaginário. Preciso de acreditar na existência desse riso para não abandonar os lápis de colorir. Ainda quero pintar o que me é próximo e está descolorido! Não quero saber como está o mundo, o país, a cidade ou até eu mesma. Quero só poder dar à minha mente o justo repouso. Não é fácil resistir à banalização das conversas, à irreverência dos relacionamentos circunstanciais, às realizações imediatas e imponderáveis, das quais nada se pode retirar.

Puxo do meu bloco, fiel companheiro do silêncio, a quem permito comungar do meu casulo de sonhos e ideais. Já de caneta barata em punho fraco e cansado, começo a desenhar letras sobre o papel. Pouco depois, apercebo-me que um desconhecido não passa. Pára e senta-se ao meu lado, sem pedir permissão (e também porque teria de pedir!), intrometendo-se no meu silêncio criativo.

Contudo, há uma paisagem tão relaxante para partilhar que não me importo que o estranho permaneça ao meu lado, nesse saudoso banco do jardim. Houve uma conversação de gestos: eu desenhava letras, ele escrevia traços e criava uma imagem na folha de papel amarelecido. Reparo que ele não usa lapiseira como está na moda! Segura um lápis de carvão na mão magra - um lápis, esse objecto primário com que aprendemos a riscar nas paredes lá de casa, no tampo das secretárias na escola, em qualquer pedaço de papel perdido. Talvez este companheiro de banco seja um artista, daqueles que no anonimato fazem o verdadeiro brilho da arte.

Assim ficámos, lado a lado: eu a esboçar ideias, tu a fazeres esquissos da paisagem. No mesmo banco de jardim, separados por algum espaço, há uma troca de olhares oblíquos entre duas pessoas que não se conhecem, abstraídas com o papel pousado no joelho flectido.

Agora ouvem-se mesmo as tropelias das crianças no parque e sinto-me feliz! Ainda há brincadeiras entre os baloiços enferrujados, correrias pelo escorrega abaixo! Não preciso de espreitar para saber que até o desenho do desconhecido ganhou contornos vigorosos. Da minha parte, coloco um ponto final, uma vez que a emoção dessa presença de vida no parque extravasa e o papel é pequeno demais para contê-la.

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