Atrás do balcão

06:03

Entram alegres e bem dispostos, puxando malas e sacos. Vêm por uns dias. Segue-se uma agitada troca de sorrisos por chaves. A algazarra do átrio desmobiliza-se. Os queixumes das escadas de madeira tornam-se inaudíveis com a profusão de vozes envelhecidas. Passeiam em excursões onde a animação excessiva de uns contagia e destrona a inibição dos mais reservados.

Horas depois voltam a cumprimentar-me. Cria-se, então, uma empatia inevitável. Vão-se acomodando nos sofás de cabedal, enquanto aguardam que a refeição seja servida na sala ao lado. Envergam as roupas de festa que trouxeram na bagagem. Nessa espera paciente, ouço-os falar, com orgulho, do sotaque algarvio.

Repescam da memória dos tempos de meninas uma série de termos e expressões tipicamente algarvias. Pedem-me para lhes desvendar alguns vocábulos autóctones. Riem-se desses contrastes que, simultaneamente, nos distinguem e nos aproximam. Vão cantando o que mais gostam da terra deles.

Evocam paisagens da serra de Monchique e de outras paragens mais a sul, que não conheço. Por fim, compreendo que, às vezes, vale bem mais um testemunho fervoroso de quem tem raízes enterradas na costa vicentina para lhe destapar os detalhes que não vêm nas sugestões turísticas.

Eles aproveitaram para conhecer a outra ponta do País. Estão encantados e pouco ambientados com o rigor do frio ameno. Comentam as belezas que o guia colocou no seu roteiro. Atrai-os a inércia dos montes agrestes, alguns ainda em estado bruto. O império da Natureza vedado aos atrevimentos do Homem. Recantos raros, dizem. Contudo, não os trocariam pelo sol e mar que banham os olhares emocionados quando se referem à sua terra, ao seu lugar.

Estão alegres, em paz com os dias. Amanhã não é dia de trabalho, por isso não há pressa para saírem das mesas atulhadas de iguarias, cujo sabor não conheciam para além do que ouviram falar.

Música ao vivo começa. O bom ritmo pimba para abanar corpos refastelados nesse ócio da reforma. Um par abre a pista. Durante o serão, divertem-se verdadeiramente. Eles já não têm preocupações com filhos menores, com empréstimos do carro e/ou da casa, com realização profissional. Nestes rostos calvos não há lugar para frustrações. Descansam enfim das lutas que travaram para chegar aqui… a ter tempo para gozar.

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