Diálogo a sós

01:49

Quando me sento ao lado do Tempo e te escuto, apraz-me ficar assim, só a fixar-te e a assimilar as tuas histórias. Entusiásticas, alegres, vivas. Afinal, tuas. É como se sorvesse cada aventura e a tomasse como minha. Essa forma descomprometida de partilha faz-me acreditar que vale a pena continuarmos a celebrar a sinceridade inaugural.

Antes gastávamos minutos a enviar cartas de papel perfumado e colorido. Além do cuidado ortográfico, havia esmero caligráfico. Depois de fechar o envelope, colávamos o selo comprado à pressa no quiosque da praça e depositávamos no marco postal. A ansiedade ia-nos acariciando a expectativa de uma resposta rápida.

Depressa essa forma de comunicação deu lugar a uma espécie de serviço expresso. As cartas que trocámos, onde descrevíamos detalhadamente os acontecimentos que cunhávamos, foram substituídas por e-mails e sms’s. Agora, vamos “conversando” assim, relatando sinteticamente, mas no imediato, o que de mais importante se passa connosco ou meras futilidades diárias.

Miró

Damos conta de parcelas do outro e das suas vivências, através dessas informações mínimas como se de um verdadeiro serviço de alertas se tratasse. Lemos as respostas com rapidez, sem atender ao peso de cada palavra, bem diferente de quando podemos gozar de uma conversa.

Faz-nos bem, em dias tão desafortunados e repentinos como os de hoje, parar e voltar a aprender a escutar a voz que nos chega devagar, a reclamar sorrateiramente a atenção merecida. Entre nós, aqui, não há a interferência de telemóveis ou qualquer outro tipo de distracções. Estamos envoltos nessa doce dependência de palavras que, agrupadas com nexo, nos tocam, nos emocionam, nos enriquecem.
***
“Em todas as relações humanas, a coisa mais importante é a conversa; mas as pessoas já não o fazem – sentar-se para falar e para ouvir os outros. Vão ao teatro, ao cinema, vêem televisão, ouvem rádio, lêem livros, mas quase não conversam. Se quisermos mudar o mundo, temos de voltar à época em que os guerreiros se reuniam à volta da fogueira e contavam histórias.”
Paulo Coelho

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