Impasses

03:05

Os dias sabem-lhe a nada, sem picos de emoção ou actividades que quebrem a rotina. Se o telefone toca é só para lhe recordar que esta é a única forma que o tem mantido ligado aos outros. Por opção, a maioria das vezes. Se a televisão não se cala é uma opção ditada por puro desinteresse.

Está visivelmente cansado de arquitectar tarefas que lhe mantenham o intelecto activo e até que, ultimamente, não se esforça muito. Aliás, vai escrevendo, porque essa é a única condição que aceita, de bom grado, que lhe seja auto-imposta.

A verdade é que sente falta dos dias a voar, das correrias atrás de coisa alguma e de andar entusiasmado com desafios. Continua a procurá-los, mas à medida que o tempo passa torna-se mais difícil imaginar que os vai abraçar com a mesma convicção.

Ele sabe que está a desaproveitar capacidades e (pior!) a conhecer um lado que lhe mostra a incapacidade para procurar soluções. Nada lhe faz pôr a motivação em sentido, quanto mais a marchar.



Todos os dias são sentidos como imensamente longos, desgastantes, extenuantes como se tivesse andado a trabalhar arduamente durante 24 horas. Então, decide voltar ao lugar de sempre, em busca das forças que antes conseguia remexer.

Porém, agora só há livros empilhados, devidamente organizados, sem pó, mas inúteis. Tudo isto que o rodeia só lhe faz relembrar o quão inútil foi acreditar que um dia seria diferente, seria apenas o dia sem o peso do passado.

Este é o lado mais perceptível da sua revolta, um estúpido cansaço que o envergonha e o faz sentir tal como olha hoje para estes livros: sem pó, mas inútil.

Ele sabe que tudo é passageiro e inevitavelmente vai mudar, mas até lá, no impasse dos dias, a esperança, que agora pia baixinho, vai tomando proporções de crescendo.

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