Desterrados

18:12

A madrugada já vai adiantada, quando a embriaguez entontece as emoções e acelera as partilhas com desconhecidos. As horas desordeiras despedem palavras sentidas.

Ela está com pressa, ansiosa pelos reencontros esperados durante semanas. Ele com medo de regressar a casa e ser abraçado pelo vazio. Ela com vontade de abreviar o encontro. Ele a desejar prolongá-lo até ao limite.

Um ou outro carro que passa. O semáforo intermitente. As tampas dos caixotes do lixo fechadas. Uma aragem fria. O castelo iluminado, perdido no fundo do horizonte que a vista abarca.

Ela com as emoções arrumadas. Ele com as tristezas acumuladas. Ela acaba por escutá-lo. Ele manobra relatos pontuais. Ela olha-o, de frente. Ele vai gesticulando. Ela está a degustar o lado bom da vida. Ele repudia essa visão.

No outro lado da rua, passa gente bem-disposta. Reminiscências do alheamento e da indiferença das grandes cidades.

Ela, conhecedora de dias vazios, inúteis e sem companhia, já se sentiu muito só. Ele, coleccionador de uns poucos de anos despojados, vive no vácuo. Há entre eles um ponto em comum: o sentimento de desterro.

Nesta cidade que é de ambos, cruzam-se por acaso numa noite improvável.

Ela acredita sempre em dias melhores. Ele entrega-se à obsessão dos dias passados. Ela já foi assim, um dia. Ele jamais voltará a ser optimista.

Em poucos segundos, cada um segue o seu caminho. Ela vai na direcção dos sorrisos debaixo das luzes misturadas. Ele tem uma estrada parcamente iluminada pela frente.

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