Intermitências oníricas

04:18

Ele queria encomendar um ou até mesmo comprá-lo, mas o velhote da loja da esquina não estava disposto a vendê-lo. Era dele, desde o alvorecer até ao pôr-do-sol. Não havia maneira de fazê-lo compreender que os sonhos não estão sujeitos às leis da oferta e da procura.

O velhote quis explicar-lhe que aquilo era o que ele tinha de realmente seu na vida e que ninguém lho poderia roubar. O outro ameaçou-o, mas em vão. A força do sonho residia na persistência daquelas mãos morenas e enrugadas.

Então, o outro pediu um sonho igual. “Não há sonhos gémeos”, atirou o velhote. O outro estava disposto a pagar um preço alto. Ele só queria um sonho partilhado, uma cópia do sonho alheio ou um sonho colectivo. No fundo, ele só queria ter um para se sentir preso à vida.

O velhote acreditava no seu sonho, lutava e sofria para o concretizar. Desde novo, percebeu que não o podia encomendar ao fornecedor da sua loja, onde todos os outros encontravam o que precisavam. Foi por isso que ele lhe bateu à porta no final da manhã e o ouviu dizer: “Os sonhos são o único território que exclui as tendências monopolistas e capitalistas que te dominam. Os sonhos são abstracções específicas daquilo que não temos, portanto, devem ser feitos à nossa medida, sem fita métrica ou microscópio.”

Ele defendeu-se, dizendo que podia ter tudo quanto desejasse, inclusivamente o sonho do velhote. Empenhou-se, contudo sem lograr nem sentir que o sonho é aquilo que nos abraça por dentro, com tempo, em silêncio e sem pressa.

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