Feridas

10:43

Entre mim e o mundo lá fora, há uma parede com duas cores. Vista de dentro é bem luminosa. Do lado de lá, não sei ao certo. Dizem-me que depende da perspectiva de olhá-la de baixo, de frente ou de soslaio. E eu gosto desta liberdade de imaginá-la apenas…

Ouço o que me contam: os outdoors que lá colocam, a poluição que lá se crava, as fissuras que crescem, os olhares dependurados que a sua dimensão suscita. Quando tu chegas, desvalorizas esses ecos facilmente sugestionáveis e trancas a porta.

Vais até à janela e esquadrinho a tua silhueta recortada em contraluz. Pegas no jornal e sentaste no parapeito. Ficas por aí até à hora do jantar, que terás que fazer. Também para mim.

Da janela vejo um mundo ao qual já não pertenço, onde as pessoas se cruzam nas ruas, onde os atropelos são inevitáveis, onde existem cacofonias indesejadas e alheamentos brutais. Por fim, cerro os olhos, num torpor que se prolonga até que me chames.

Nesta noite de dúvidas e angústias, vêem-me à consciência episódios em que a tua voz teve ressonâncias deliciosas. Hoje, há nela timbres outonais que duram as quatro estações.

E quando ficas sozinho, eu sei o que fazes. Junto à mesma janela, sentes o peso desta liberdade cativa que subscreveste por mim. Falta-te a firmeza do chão que pisas e, por orgulho, não vergas.

A ambição (tua e minha) é planar sobre as confidências de outrora e quebrarmos esse compromisso subentendido, sem pundonor e sem culpas.

You Might Also Like

0 apontamentos

Total de visualizações

Procurar no blogue