Figurantes titubeantes

12:45

Ela contava os anos ainda pelos dedos e conservava as perguntas frontais, os olhares indiscretos, o ar de espanto quando a ocasião era desconhecida. Não se inibia de insistir até fazer valer os seus desejos ou até ver satisfeitos todos os contornos da sua incansável curiosidade.

Queria ir para a rua e não a deixavam. Queria gritar e diziam-lhe para se calar. Queria dar um abraço e desembaraçavam-se dela. Queria saltar à corda, mas faltava-lhe quem segurasse. Crescia nesse ambiente de autoridade hostil, de protocolos desajustados, de aparências impostas, de ternuras decapitadas.

Nunca lhe explicaram os princípios do respeito, mas exigiam a obediência cega. Não lhe falaram da capacidade de entrega, mas da obrigatoriedade do sacrifício. Não lhe permitiram ver todos os lados da questão, mas apenas o que apregoavam como justo e acertado.

Ela olhava para eles e via-lhes o queixo empinado. Ficava em silêncio, mas não conformada. Ao mínimo aliviar de pressão, soltava-se daquela mão e corria sem olhar para trás. Fugia para o fundo do jardim engradado e brincava com os amigos que lhe povoavam a imaginação. Queria muito torná-los reais e queria com muita força, sem desistir.

Um dia cresceu e percebeu que continuava pequenina, em amena subserviência àqueles que lhe tinham servido de modelo. No fundo, era mais um deles. Não se desviava um centímetro de tudo o que era tido como normalidade, bom gosto ou saber estar. E assim continua a figurar por aí, nesses palcos mundanos onde os aplausos são reflexos condicionados e não sinónimo de paixão pelo que se vê ou pelo que se sente. 

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