O taxista de rosto tisnado

17:00

Chamava-se Ali e sorria aos estrangeiros como se os recebesse em sua casa. Talvez aquelas ruas sujas e confusas lhe estejam tatuadas na pele como paredes de uma casa maior que partilha com os compatriotas.

Havia nele um gosto óbvio por aquilo que fazia: conduzia um táxi pela sua cidade. O veículo vestia-se de um amarelo amortalhado e todas as suas peças denunciavam a decrepitude da idade.

Anunciou, de boa vontade, a intenção de mostrar os lugares de referência. Exibiu um mapa, onde, com o indicador, delineou o percurso a cumprir durante as próximas horas.

Acabámos por anuir e entrámos no seu carro, contribuindo para que ganhasse a manhã ou até possivelmente o dia. À sua maneira e sem saber, retribuiu com uma verdadeira lição de relativismo cultural.

imagem retirada da Internet

Arrancou e manteve a velocidade constante para que observássemos o que se recortava contra o céu. Preciosas foram as suas indicações sobre o que percorríamos com o olhar. Apontou os muros das propriedades do rei, fez o sinal universal de elevadas posses e sorriu. Talvez feliz por amar a esposa, que o esperava em casa.

Quando falava dela, o sorriso parecia ter crescido. Rapidamente, abriu o porta-luvas para retirar um pequeno álbum de fotografias. Confiante e contente, partilhou registos da sua vida com meros desconhecidos. Exibiu cada imagem com relatos detalhados: dos retratos às viagens pela Europa, sem esquecer o dia do casamento.

Ela, a esposa, envergava um vestido em tons de dourado, carregado de pormenores, e uma expressão tão alegre. Ele esclareceu que a indumentária era alugada especificamente para a boda. Nas fotografias em que os dois apareciam juntos, era emocionante perceber aquela felicidade que não deixa esquecer os sorrisos perfeitos.

De mãos no volante, olhava para nós e falava com entusiasmo. Era tão fluente em inglês e espanhol como em francês e árabe. Interessou-se por Portugal e soube-nos bem. Estar fora do nosso território e sentir que somos os seus representantes directos, a imagem viva que ficará como recordação desse país distante.

Ele não despiu o sorriso quando pedimos para parar e comprar água. Ele, sem comer e sem beber até ao pôr-do-sol, explicou-nos os preceitos do Ramadão sem qualquer rodeio. Desvaneceu também as nossas dúvidas relativamente à motivação para aguentar tamanho sacrifício. Sorriu apenas com aquela paz das pessoas que estão certas das suas opções, confiantes que vão ter sucesso com elas, seguras de que as suas convicções são feitas de aço.

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