As mulheres da minha aldeia

08:22

Final de tarde. Ao longe, o sino desperta a Natureza, irrompe pelas casas adentro, lembra a hora das Trindades. As mulheres da minha aldeia rezam ainda, quase sibilando. O sol esconde-se, vagaroso, até desaparecer atrás dos montes.

As mulheres da minha aldeia têm olhos cansados, sorrisos esmorecidos, lenços pretos sobre os cabelos cor de cinza, mãos enrugadas e dedos esvaziados. Caminham amparadas por uma bengala gasta, curvadas sobre a sua própria idade. Enroscadas em xailes de lã, dão passos pequeninos e apressados.

As mulheres da minha aldeia já não lavam, vigorosas e cândidas, as roupas nos lavadouros. Já não traçam riscas de sabão azul na roupa encharcada. Já não estendem lençóis bordados nem fazem crochet. Os fornos a lenha estão sepultados. Já não há mãos sábias e com genica para amassar ovos e farinha para o folar. As varas do fumeiro ganham teias de aranha, porque já não há braços capazes de lhe chegar.

As mulheres da minha aldeia ainda se sentam nas escadas, pela manhã, para pentear os finos cabelos, entrelaçando-os e prendendo-os na nuca. Das suas orelhas enfraquecidas, pendem ainda as argolas de ouro. À cintura trazem o avental onde enxugam as lágrimas da solidão e as lágrimas da alegria de ver os filhos emigrados regressarem à terra.


As mulheres da minha aldeia já não vão à fonte buscar água nem correm para as bicas para lavar os pés ou matar a sede. Já não soltam as galinhas à porta de casa. Já não levam as vacas a pastar. Já não cantam "às almas". Já não remendam velhas roupas ou pregam botões.

As mulheres da minha aldeia ainda aquecem a água ao lume, assam castanhas, cozinham no pote, fazem cabras quando o calor é excessivo, aninham-se no escano. O apito da carrinha do padeiro ou do talhante tornou-se familiar para elas, reconhecível à distância de uma rua.

As mulheres da minha aldeia possuem uma coragem e uma tenacidade inigualáveis. Viram nascer os muitos filhos, em casa, à custa de dores e bastante sangue frio. Trabalharam a terra de sol a sol, sem temer a enxada ou a geada. Acarretaram a lenha para que a chama na lareira nunca se apagasse. Ao serão, contavam histórias, riam, jogavam às cartas.

As mulheres da minha aldeia mantém-se fiéis a esse Deus que lhes promete uma vida eterna e feliz, mas que as sacrifica ao mais duro dos silêncios, ao mais cruel dos abandonos, ao mais ingrato isolamento. Grande parte dos bancos corridos da igreja está vazia. Já são poucas as almofadas feitas à medida para amortecer o acto de ajoelhar.

As mulheres da minha aldeia envelheceram e esperam, serenas, o dia em que os seus olhos não contemplarão mais os montes que as vidraças das suas casas emolduram. E, então, a minha aldeia (como tantas outras) tornar-se-á uma sucessão de casas com os postigos para sempre fechados.

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