Sussurro-te para que te aproximesEssa distância não te pertenceEssa frieza não nasceu debaixo de tiNem nunca terá razão de ser.Estás agrilhoado pela incerteza.Compreendo, mas ela é um engodoOs meus braços estão estendidosPara te tocar os dedos apertadosE quando deixas, por fim, Que esse toque aconteça,Há uma textura sublimeQue forra as paredes do coração.Visto o teu abraço e aperto o fechoNão preciso do frio...
Ele era um revoltado com o sistema. Tudo estava mal planeado e pior executado ainda. Aos outros apontavam, facilmente, as falhas e os procedimentos incorrectos. Ele era um desempregado desesperançado. Aliás, como todos nós que procuramos um trabalho há meses sem receber sequer uma resposta. A despeito dos olhares de esguelha que lhe dirigiam, ele esforçava-se por estar na ribalta dos amadores. Fazia...
Desci a rua para sentir o fervilhar da indiferença das gentes que se cruzam, todos os dias, por aqui. Vêem-se, mas não se olham. As pedras da calçada ecoam os passos apressados. As fachadas dos prédios decrépitos ribombam a cacofonia de vozes agitadas. Parecem todos empenhados em fazer barras nos ponteiros dos relógios. Quanto mais fizerem naquela hora, mais tempo lhes sobra. Porém,...
Há nesta madrugada de Inverno, vagas de solidão, que embatem, ferozes e temíveis, nas rochas que me habitam por dentro. Há erosão pelas vivências que me roubaram sem lhes sentir o trago da alegria. Há a inevitabilidade da tua partida, que arrasta o que de mais puro há em mim. Kara Hendershot ...
Alinhados, respeitando o espaço do outro, os carros conversam entre si na rua adormecida. O silêncio dos motores é perscrutado pelo cão vadio que fareja ao redor de um dos postes de iluminação. Há uma ou outra luz acesa, talvez de almas irrequietas para quem o sono chega mais tarde. Os chinelos emparelhados guardam a cadeira desconfortável onde me sento para acomodar o...
Chega pela manhã, em pantufas de lã.Empurra a porta, a medo, e deita-se.Quer adormecer, mas brinca com os meus dedosEstá entretido e divertido com tais desvelosE eu deixo-me ficar, na almofada quieta,Até sentir a minha alma liberta... René Magritte ...
Juan Bielsa Falta-te a paciência de antes. Parece-me que vais estando, por estar. Sinto que a tua presença exige agora solicitação antecipada e previamente confirmada. Vais sabendo de mim, por um esforço consciente de te fazer chegar a informação mais relevante, embora nem sempre consentânea com as minhas necessidades. A isso, tu sabias como chegar. Há parcelas que se apagaram em ti. Esgano...
Sem que te apercebas, quase não existes.Os teus gestos são meros ensaios visuaisPara um público mudo e quedo.Excedeste as palavras que não pronunciasE vais continuando aflito e sozinhoNessa rusga dos que desconheces.Apareces, nebuloso e entusiasmado,Num lugarejo perdido atrás dos montes.Um ancião ignora-te ao passarE tu regressas desanimado, Porque não houve um olhar trocado.Porque estranhas, afinal?Não é isso que fazes todos os diasQuando aqueles...
Dói-me o braço direito. O músculo desfalecido obriga-me a recear que de manhã não consiga carregar pesos. Nem aqueles mais leves. Tenho os dedos em pânico. Amanhã, posso não ser capaz de tirar as calças do cabide, pegar na carteira, segurar o prato, abrir a porta do carro, empurrar as tralhas em cima da mesa, carregar no botão do computador. (imagem retirada da...
Nesse vale cansado, é tão importante correr como saber deslizar. À margem, perscruto-te as fraquezas e contemplo-te os rasgos evasivos. Galgas os montes, nessa paz tão tua. Nas margens, olham-te sequiosos de ser como tu. E segues, indiferente e calmo. ...
Quando gostamos verdadeiramente de alguém, temos um medo enorme de perder. E só perante a possibilidade de tal acontecer, sentimos náuseas. Quando há situações em que é eminentemente perigoso que isso aconteça, entramos em pânico e quando acontece de facto, sentimo-nos à beira do desespero, completamente desorientados, com os pilares do nosso mundo fracturados.Salvador Dali Quando a pessoa que dormiu ao teu lado,...