A robustez de carácter em comunhão com a força das raízes. Essas mesmas que dão o melhor fruto em homenagem a estes homens devotos. Uma paisagem que esgota toda a adjectivação e se desdobra aos olhos de quem a visita com uma simplicidade cúmplice que convida a permanecer num silêncio contemplativo. Há suor a escorrer pelas testas tisnadas, memórias das jornadas de trabalho...
Há uma recusa consciente que implicará uma factura elevada, mas esta noite quero-a para escrever. Não o que este disse, o que aquele acrescentou, o que o outro veio desmentir e o que a seguir defendeu. Hoje não me peçam para fazer eco de causas ocas, de discursos balofos, de inércias camufladas nas entrelinhas. Esta noite, no sossego refastelado dos pés no sofá,...
Enervam-me os que alimentam os estereótipos, os que insistem neles e, sobretudo, os que abusam numa sobrevalorização da sua existência. Incomoda-me até ao tutano que se menospreze o sítio onde se está, que as depreciações sejam constantes e injustas até. Irrita-me perceber que algumas pessoas estão predispostas a cuspir (se necessário for) na identidade da qual descendem. Concordo que o sentimento de acomodação...
Janet Kruskamp Conheço-lhe bem cada recanto e sei onde dobrei as lembranças, onde encartei as dúvidas de outrora, onde encaixotei as angústias inconfessadas. Se quero encontrar algo, sei exactamente onde me dirigir. E podem suceder-se os anos, pode assentar a poeira em camadas espessas, pode a janela abrir-se esporadicamente, pode a escuridão tomar conta do espaço. Sei que quando regressar, saberei onde me...
Já não estamos tão próximos, tão cúmplices, tão “nós”. E o pior é que sabemos isso. As intenções ficam-se pelas palavras fugazes, cujo eco se perde na madrugada. Talvez o tempo seja mesmo ingrato ao facilitar estes distanciamentos inconsequentes. Talvez sejamos nós baralhados e repartidos num jogo onde, em cima da mesa, se perdem os símbolos dourados para as espadas frias.Gustavo Fernandes É...
Decibéis nos píncaros. Temperatura a escalar o mercúrio. Multidão fumegante, frenética e acalorada. O espaço considerável torna-se exíguo para tantos corpos apertados, que vão conquistando espaço para se agitar ao som da música. Lufada artificial de ar fresco. Copos a bater sincopados no balcão. Sorrisos, reencontros e acasos também. Subo as escadas, com o pensamento adormecido e o corpo a exigir água. Muitas...
Um destes dias tive a ocasião de descobrir, por uma sábia voz que se elevou na parca assembleia, que a escolha da cor da casa é requisito inequívoco para avaliar o nível cultural. A iluminada pessoa defendeu, acerrimamente, que o gosto não pode determinar o uso das cores de arco-íris para pintar o exterior dos imóveis onde se habita. E voltou a insistir,...
Lisa Moore Desse coração experiente, apenas inocência para vingar. Desse sorriso permanente, só expressões puras. Desse olhar saltitante, a tua vivacidade inarrável. Gosto de te ver viver com os sonhos a tiracolo, saltando em cada obstáculo para chegar a uma vitória maior. Gosto de te sentir amarrado à liberdade, soltando entusiasmo para os que te rodeiam. De tantas lutas, submergem-se os cansaços. De...
Sinto a tua ausência mesmo quando estás ao meu lado. As palavras que proferes são como ecos propagados entre montanhas altas. A sombra fantasmagórica dos teus gestos faz-me teme-los, mesmo quando já muito os desejei. Sinto o teu coração andrajoso, ao vento, caminhando como um refugiado sem ver a fronteira da paz. As letras agigantam-se e baloiçam nesse discurso desfalecido. Os sorrisos esforçam-se...
Despede-se o dia pela janela rectangular do café onde nos reunimos. Conversamos sobre temas vários, do banal ao essencial, cimentando os laços desapertados que conservamos ao longo dos anos. No meio de tudo, repescamos memórias e atiramos projecções. Há sempre risos, muitos e genuínos. Entretanto uma de nós comenta que “quem ri muito vive mais”. Essas palavras fizeram ricochete. De facto, não há...
As expressões faciais vergadas, acentuadas por esse olhar desgostoso e apagado. Encostado num sofá florido, por onde se estreita uma luz vespertina, está esse corpo moribundo. A indiferença estende-se ao resto dos gestos envelhecidos. Caminhar é como se fosse um acto penoso, por isso, há em ti uma inércia atroz. Sorrir, então, é um esforço titânico que não merece sequer uma tentativa. Parece...
Ouço o soluçar do meu choro enquanto ninguém percebe. Quando me resta o abraço da solidão a aconchegar-me os vazios, penso nas velhas tristezas que me assolam pontualmente. Há um silêncio maligno que se cola às palavras com que desvio a atenção dos outros. O mesmo silêncio que, quando todos se calam e vão embora, me sufoca o peito angustiado. Sinto, então, o...
Mete-me confusão o desinteresse dos que se acomodam nos tortuosos caminhos da felicidade. Encontram um simulacro de oásis e basta-lhes. Não procuram as raízes dos contornos que vêem, as verdadeiras essências, as inevitáveis lacunas, as matizes de cada ângulo. Ficam como que deslumbrados e apatetados com as primeiras impressões. Os pés fixam-se no tapete das satisfações. Não correm atrás da hiperbole da felicidade...